DOWNLOAD: quadro comparativo religiões profeticas.doc‏ e Textos sobre os quadros comparativos.doc

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Olá alunos!
Segue a aula de Progressão Aritmética.
Um abraço!
Zé Leo


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roteiro de todos os atos do teatro

PRIMEIRO ATO:
Primeiro Ato
 Zé do burro e Rosa entram na cena (parte direita da capela). Zé carrega a cruz e ambos exaustos. Nota-se que a expressão de Zé assume uma aparência demasiada ingênua e admiradora e Rosa transmite a idéia de estar sufocada pelo ambiente na qual existe.
  Zé para e contempla a Igreja e a mulher o acompanha, não com a mesma admiração. Zé enxuga o suor da testa.
Zé: é essa só pode ser essa (olhando para a igreja)
ROSA: E agora? Está fechada. ( diz sentando-se nos degraus)
ZÉ: É cedo ainda. Vamos esperar que abra.
ROSA: Escute, Zé... já que a igreja está fechada, a gente podia ir procurar um lugar pra dormir.
ZÉ: E a cruz?
ROSA: Você deixava a cruz aí e amanhã, de dia...
ZÉ: Podem roubar...
ROSA: Então, vou ter que dormir no chão, no "hotel do padre". (Olha-o com raiva e vai deitar-se num dos degraus da escada da igreja
ZÉ: Você podia não ter vindo. Quando eu fiz a promessa, não falei em você, só na cruz.
ROSA: Agora você diz isso. Dissesse antes...
ZÉ: Não me lembrei. Você também não reclamou...
ROSA: Sou sua mulher. Tenho que ir pra onde você for ..
Rosa então ajeita-se na escada e procura uma posição confortável para dormir.Zé por sua vez, observa Rosa deitar e depois apóia sua cruz de forma que sua cabeça apoie e suas pernas descansem um pouco. Ambos cochilam. Dali a pouco entram na cena Marli e Bonitão. Marli na frente com um andar apressado traz na sua face uma beleza doentia.
Uma tentativa, insignificante, de chamar a atenção de Bonitão. Cria-se em seus gestos a vontade de se libertar da tirania presente, mas ao mesmo tempo uma necessidade da mesma. Bonitão imparcial à situação encara a exploração a que submete Marli e outras mulheres, como um direito que lhe assiste, ou melhor, um dom que a natureza lhe concedeu, juntamente com seus atributos físicos. Descem a ladeira, ela na frente, a passos rápidos. Ele a segue, como se viessem já de uma discussão.
BONITÃO: Espere. Não adianta andar depressa...
MARLI: É melhor discutirmos isso em casa.
BONITÃO: (Alcança-a e obriga a parar torcendo-lhe violentamente o braço) Não, vamos resolver aqui mesmo. Não tenho nada que discutir com você...
MARLI (Livra-se dele com um safanão, mas seu rosto se contrai dolorosamente) Estúpida!
BONITÃO: Ande, vamos deixar de mas-mas. Passe pra cá o dinheiro. (Pega a bolsa de Marli num ato feroz e tira de uma nota) Sua vaca!
Ele faz menção de dar-lhe um bofetão, ela corre e refugia-se atrás da cruz. Zé-do-Burro desperta de sua semi-sonolência.
MARLI: Eu precisava desse dinheiro.
BONITÃO: Por que não pediu?
MARLI: E você dava?
BONITÃO: Claro que não. (Guarda o dinheiro na carteira) Isso ia fazer falta no meu orçamento. Tenho compromissos e você bem sabe que não gosto de pedir dinheiro emprestado. Pois então veja se na próxima vez não esconde dinheiro na bolsa. Vá pra casa.
MARLI: (Decepcionada) Você não vai comigo?
BONITÃO: Não, vou ficar um pouco mais por aqui. Vá na frente que daqui a pouco eu apareço por lá.
MARLI: (Enciumada) E o que é que você vai ficar fazendo na rua a uma hora dessas?
BONITÃO: (Com muita seriedade) Ora, mulher, eu preciso trabalhar! (Acende um cigarro, abstraindo-se da presença de Marli, que o fita como um cão escorraçado pelo dono. Só então este se mostra intrigado com a cruz no meio da praça. Examina-a curiosamente e por fim dirige-se a Zé-do-Burro) É sua?
Zé balança a cabeça em sinal afirmativo. Marli vai até à escada da igreja, senta-se num degrau, sem se incomodar com Rosa, deitada mais acima, tira os sapatos e movimenta os dedos doloridos.
BONITÃO: (Nota a igreja, faz uma associação de idéias) Encomenda?
ZÉ: Não, promessa.
BONITÃO: (A princípio parece não entender, depois ri). Gozado.
ZÉ: Não acho.
BONITÃO: Não falei por  mal. Eu também sou meio devoto. Até uma vez fiz promessa pra Santo Antônio...
BONITÃO: (Nota que Marli ainda não se foi) Que é que você ainda está fazendo aí?
MARLI: Esperando você.
BONITÃO (Vai a ela) Já lhe disse que vou depois. Vai ficar agora grudada em mim?
MARLI: (Levanta-se) Escute Bonitão... você não podia deixar eu ficar ao menos com aquela nota?
BONITÃO: Já lhe disse que não. Não insista.
MARLI: Mas o dinheiro é meu. É justo que eu fique ao menos com algum.
BONITÃO: É justo por quê?
MARLI: Porque fui eu que trabalhei.
BONITÃO: E desde quando trabalhar dá direito a alguma coisa? Quem lhe meteu na cabeça essas idéias? (Olha-a de cima a baixo, com desconfiança) Está virando comunista?
Marli fita-o com ódio e sai bruscamente pela direita. Bonitão acompanha-a com o olhar e depois sorri, tira o dinheiro do bolso e torna a contá-lo.
ZÉ: (Candidamente) Esse dinheiro... é dela mesmo?
BONITÃO; (Guarda o dinheiro) Bem, esta é uma maneira de olhar as coisas. E toda coisa tem pelo menos duas maneiras de ser olhada. Uma de lá pra cá, outra de cá pra lá. Entendeu?
ZÉ: Não...
BONITÃO: Não vale a pena explicar. É uma questão de sensibilidade.
ZÉ: O senhor é... marido dela?
BONITÃO: Não, sou assim uma espécie de fiscal do imposto de renda. (Sobe, como se fosse sair, mas se detém diante de Rosa, cujo vestido, levantado, deixa ver um palmo de coxa).
ROSA: (Abre os olhos, sentindo que está sendo observada) Que é?
BONITÃO: Nada... estava só olhando... (Rosa conserta o vestido). Não deve ser lá muito confortável essa cama... Rosa olha-o com raiva. (Olha-a mais detidamente) E olhe que você bem merece coisa melhor.
ROSA: Diga isso a ele (Aponta Zé-do-Burro).Meu marido.
BONITÃO: Ah, você também veio pagar promessa...
ROSA: Eu não, ele. E por causa dele estou dormindo aqui, no batente de uma igreja, como qualquer mendiga. (Senta-se)
ZÉ: O senhor sabe que horas são?
BONITÃO: (Consulta o relógio) Um quarto para as cinco.
ZÉ: Sabe a que horas abre a igreja?
BONITÃO: Não, não é bem o meu ramo...
ZÉ:Mas às seis horas deve ter missa. Hoje é o dia de Santa Bárbara...
ROSA: (Ressentida) Tenho que agüentar mais de uma hora ainda neste batente duro. E a promessa não é minha!
BONITÃO:É capaz da porta da sacristia já estar aberta. Por que o senhor não vai ver: A porta é do lado de lá...
ZÉ:Rosa, você vigia a cruz, eu vou dar a volta... não demoro. (Sai)
BONITÃO:Pode ir sem susto que eu ajudo a tomar conta de sua cruz. (Depois que Zé-do-Burro sai) das duas.
ROSA: Só que uma ele carrega nas costas e a outra... se quiser que vá atrás dele. (Levanta-se)
BONITÃO: E você não é mulher para andar atrás de qualquer homem... ao contrário, é uma cruz que qualquer um carrega com prazer...
ROSA:(Com recato, mas no fundo envaidecida) Ora, me deixe.
BONITÃO:Palavra. Seu marido não lhe faz justiça. Isso não é trato que se dê a uma mulher... mesmo sendo mulher da gente.
ROSA: Se ele faz pouco de mim, faz pouco do que é dele.
BONITÃO: Você tem qualidades para exigir mais: boa cama, com colchão e melhor companhia.
ROSA: Não fale em cama pra quem tem o corpo moído, como eu.Já amaldiçoe sete vezes amaldiçoei aquele dia em que fui roubar caju com ele na roça dos padres...
BONITÃO: E você casou com ele sem gostar?
ROSA:(Depois de um tempo) Gostava, sim. Sabe, na roça, o homem é feio, magro, sujo e mal vestido. Ele até que era dos melhores. Tinha um sítio. .
BONITÃO:(Algo interessado) Ele tem um sítio, é?
ROSA: Tinha, agora tem só um pedaço. Dividiu o resto com os lavradores pobres.
BONITÃO: Por quê?
ROSA: Fazia parte da promessa.
BONITÃO: Que é que está esperando? Virar santo?
ROSA: Não brinque. Pelo caminho tinha uma porção de gente querendo que ele fizesse milagre. E não duvide. Ele é capaz de acabar fazendo. Se não fosse a hora, garanto que tinha uma romaria aqui, atrás dele.
BONITÃO: Depois de cumprir a promessa, ele vai voltar pra roça?
ROSA: Vai.
BONITÃO: E você?
ROSA: Também. Por quê?
BONITÃO: Se você viesse pra cidade, eu podia lhe garantir um bonito futuro...
ROSA: Fazendo o quê?
BONITÃO: Isso depois se via.
ROSA: Eu não sei fazer nada.
BONITÃO: (Segura-a por um braço,) Mulheres como você não precisam saber coisa alguma, a não ser o que a natureza ensinou. .
Rosa puxa o braço bruscamente, depois de manter, por alguns segundos, um olhar de desafio.
ROSA: Não faça isso! Ele pode voltar de repente
BONITÃO: Ele deve ter ido acordar o padre. (Volta a aproximar-se dela)
ROSA:(Desvencilha-se dele novamente) Me solte. (Volta a sentar-se na escada) Eu queria era dormir. Dava a vida por uma cama... com um lençol branco . e uma bacia dágua quente onde meter os pés.
BONITÃO: Eu posso lhe arranjar um hotelzinho aqui perto...
(Rosa lança-lhe um olhar hostil.)
BONITÃO: Isso sem segundas intenções... só pra você dormir, descansar dessa romaria.
ROSA: Não quero me meter em encrencas.
BONITÃO: Não há nenhum perigo de encrenca. Sou muito cotado com o porteiro do hotel e tenho boas relações com a polícia. Nesta zona, todos respeitam o Bonitão.
ROSA: (Quase sensualmente) Bonitão.
BONITÃO: (Vaidoso) É um apelido...
ROSA:(Olha-o de cima a baixo).
BONITÃO:(Senta-se junto dela)No hotel tem banheiro uma cama com colchão de mola. .
ROSA: Colchão de mola mesmo?.
BONITÃO: Sim
Entra Zé-do-Burro pela direita. Bonitão levanta-se.
ZÉ: Tudo fechado. Tem jeito não.
ROSA: (Revoltada) E eu que agüente este batente duro até Deus sabe lá que horas.
ZÉ: Paciência, Rosa. Seu sacrifício fica valendo.!
ROSA: Nunca vi santo pagar dívida. (Volta a deitar-se no degrau)
BONITÃO:(Assumindo um ar tão eclesiástico quanto possível) A senhora faz mal em ser tão descrente. Quem sabe se Santa Bárbara já não está providenciando o pagamento dessa dívida? E quem sabe se não escolheu a mim pra pagador?
ZÉ:(Muito ingenuamente) O senhor não era fiscal do imposto de renda? Agora é pagador de Santa Bárbara...
BONITÃO: Bom, meu camarada não ta fácil pra ninguém, não é mesmo? Mas digo que Santa Bárbara já deve estar tratando de liquidar o débito hoje contraído com sua senhora, porque me fez passar por aqui esta noite.
ZÉ: Não vejo nada de mais nisso.
BONITÃO:Porque o senhor não sabe que eu posso, em cinco minutos, arranjar uma boa cama com colchão de mola, num hotel perto daqui.
ZÉ: Pra ela?
BONITÃO: E pro senhor também.
ZÉ:. Tenho que esperar abrir a igreja. Se soubesse que não iam roubar a cruz...
BONITÃO: (Rapidamente) Oh, não, a cruz não deve ficar sozinha. Esta zona está cheia de ladrões. A cruz é de madeira e a madeira está caríssima.
ZÉ: É o que eu acho.
BONITÃO: Mas eu posso ficar tomando conta, enquanto o senhor e sua senhora vão descansar.
ZÉ: O senhor?
BONITÃO: E por que não?
ZÉ: Mas não é justo. Não foi o senhor quem fez a promessa.
ROSA: Ele está querendo ajudar, Zé.
ZÉ: Mas não é direito. Eu prometi cumprir a promessa sozinha, sem ajuda de ninguém. E essa história de dormir no hotel não está no trato.
BONITÃO: E sua senhora está no trato?
ZÉ: Rosa? Não, ela pode ir.
BONITÃO: Nesse caso, se quiser que eu leve sua senhora... ao menos ela descansa enquanto espera pelo senhor.
ZÉ: Você quer Rosa? (Volta-se para Bonitão) O hotel é decente?
BONITÃO: (Fingindo-se ofendido) Ora, o senhor acha que ia indicar...
ZÉ: Desculpe, é que sempre ouvi dizer que aqui na cidade...
BONITÃO: Pode confiar em mim.
ZÉ: É longe daqui?
BONITÃO: Não, basta subir aquela ladeira...
ZÉ: Que é que você diz, Rosa?
BONITÃO: Eu vou com ela até lá, apresento ao porteiro depois volto para lhe dizer o número do quarto.
ROSA: Zé, é melhor eu ficar com você...
ZÉ: Pra que, Rosa? Assim você vai logo descansar numa boa cama, não precisa ficar aí deitada nesse batente frio...
 (Rosa sobe a ladeira e Bonitão a segue)
BONITÃO: (Saindo) Volto num minuto.
ZÉ: Está bem.
(Senta-se ao pé da cruz e procura uma maneira de apoiar o corpo sobre ela. Aos poucos, é vencido pelo sono. As luzes se apagam em resistência)
Segundo Quadro
As luzes voltam a acender-se, lentamente, até dia claro. Ouvem-se, distante, ruídos da cidade que acorda. Um ou outro buzinar, foguetes estouram saudando Iansan, a Santa Bárbara nagô, e o sino da igreja começa a chamar para a missa das seis. Mas nada disso acorda Zé-do-Burro. Entra, pela ladeira, a Beata. Toda de preto, véu na cabeça, passinho miúdo, vem apressada, como se temesse chegar atrasada. Passa por Zé-doBurro e a cruz sem notá-los. Pára diante da escada e resmunga.
 Junto com a Beata sobem outros fiéis pela ladeira.

BEATA :Porta fechada. É sempre assim. A gente corre, com medo de chegar atrasada e quando chega aqui a porta está fechada. (Pára de resmungar ao ver a cruz. Ajeita os óculos, como se não acreditasse no que está vendo. Aproxima-se e examina detalhadamente a cruz e o seu dono adormecido. Sua expressão é da maior estranheza) Virgem Santíssima!
Neste momento, abre-se a porta da igreja e surge o Sacristão. É um homem de perto de 50 anos. Sua mentalidade, porém, anda aí pelos quatorze. Usa óculos de grossas lentes, é míope. O cabelo teima em cair-lhe na testa, acentuando a aparência de retardado mental. Ele parece bêbedo de sono. Boceja largamente, ruidosamente, depois de abrir a primeira banda da porta. Espreguiça-se e solta um longo gemido. Depois que abre toda a porta, encosta-se por um momento no portal e cochila, sem dar pela Beata, que se aproxima.
BEATA: (Dá-lhe uma leve cotovelada) Ei, rapaz...
SACRISTÃO: (Desperta muito assustado) Sim, Padre, já vou!...
BEATA: Que padre coisa nenhuma...
SACRISTÃO: Ah, é a senhora...
BEATA: (Aponta para a cruz) Que é isso?
SACRISTÃO: É uma cruz de madeira... e parece que há um homem dormindo junto dela...
BEATA:Não me diga! Claro que é uma cruz de madeira e que há um homem junto dela. O que eu quero saber é a razão disso.
SACRISTÃO: Não sei... talvez ele tenha desgarrado da procissão...
BEATA: Que procissão? De Santa Bárbara? A procissão ainda não saiu. E já viu alguém carregar cruz em procissão? Nem na do Senhor Morto. (Benze-se e entra apressadamente na igreja)
O Sacristão aproxima-se de Zé-do-Burro, curioso. E quando entra Bonitão, pela ladeira. Ele vê a igreja aberta, estranha.
BONITÃO: Oxente...
SACRISTÃO: (Olha-o curioso) É uma cruz mesmo...
BONITÃO: E que pensou você que fosse? Um canhão? (Aproxima-se de Zé-do Burro) Meu camarada acorde!
ZÉ: (Desperta) Oh, já é dia...
BONITÃO: Já. E a igreja já está aberta, você pode entregar o carreto.
O  número do quarto de sua mulher é o 27.
ZÉ: Ah, obrigado...
 Padre Olavo surge na porta da igreja.
SACRISTÃO: (Como se tivesse sido surpreendido) Padre Olavo!...
ZÉ: Preciso falar com ele...
Sacristão dirige-se apressadamente à igreja. Pára na porta, ante o olhar intimidador de Padre Olavo. Tem textura de no máximo, quarenta anos. Sua convicção religiosa aproxima-se do fanatismo. Talvez, no fundo, isto seja uma prova de falta de convicção e autodefesa. Sua intolerância - que o leva, por vezes, a chocar-se contra princípios de sua própria religião e a confundir com inimigos aqueles que estão ao seu lado - não passa, talvez, de uma couraça com que se mune contra uma fraqueza consciente.
PADRE:(Para o Sacristão) Que está fazendo aí?
SACRISTÃO: (Em defesa) Estava conversando com aqueles homens.
PADRE: E eu lá dentro à sua espera para ajudar à missa. (Repara em Bonitão e Zé-do-Burro) Quem são?
SACRISTÃO: Não sei. Um deles quer falar com o senhor.
ZÉ: (Adianta-se) Sou eu, Padre. (Inclina-se, respeitoso e beija-lhe a mão)
PADRE: Agora está na hora da missa. Mais tarde, se quiser...
ZÉ: É que eu vim de muito longe, Padre. Andei sete léguas...
PADRE: Sete léguas? Para falar comigo.
ZÉ: Não, pra trazer esta cruz.
PADRE: (Olha a cruz, detidamente) E como a trouxe... num caminhão?
ZÉ: Não, Padre, nas costas.
SACRISTÃO: (Expandindo infantilmente a sua admiração) Menino!
PADRE: (Lança-lhe um olhar enérgico) Psiu! Cale a boca! (Seu interesse por Zé-do-Burro cresce) Sete léguas com essa cruz nas costas. Deixe ver seu ombro. (Zé-do-Burro despe um lado do paletó, abre a camisa e mostra o ombro. Sacristão espicha-se todo para ver e não esconde a sua impressão)
SACRISTÃO: Está em carne viva!
PADRE: (Parece satisfeito com o exame) Promessa?
ZÉ: (Balança afirmativamente a cabeça) Pra Santa Bárbara. Estava esperando abrir a igreja...
SACRISTÃO: Deve ter recebido dela uma graça muito grande!
ZÉ: Graças a Santa Bárbara, a morte não levou o meu melhor amigo.
PADRE: (Padre parece meditar profundamente sobre a questão) Mesmo assim, não lhe parece um tanto exagerada a promessa? E um tanto pretensiosa também?
ZÉ:Nada disso, seu Padre. Promessa é promessa. Quando Nicolau adoeceu, o senhor não calcula como eu fiquei.
PADRE: Foi por causa desse... Nicolau, que você fez a promessa?
ZÉ: Foi. Nicolau foi ferido, seu Padre, por uma árvore que caiu, num dia de tempestade.
SACRISTÃO: Santa Bárbara! A árvore caiu em cima dele?!
ZÉ: Só um galho, que bateu de raspão na cabeça. Ele chegou em casa, escorrendo sangue de meter medo! Eu e minha mulher tratamos dele, mas o sangue não havia meio de estancar.
PADRE: Uma hemorragia.
ZÉ: Só estancou quando eu fui ao curral, peguei um bocado de bosta de vaca e taquei em cima do ferimento.
PADRE: (Enojado) Mas meu filho, isso é atraso! Uma porcaria!
ZÉ: Foi o que o doutor disse quando chegou. Mandou que tirasse aquela porcaria de cima da ferida, que senão Nicolau ia morrer.
PADRE: Sem dúvida.
ZÉ: Eu tirei. E como o doutor fazia o sangue parar? Ensopava algodão e mais algodão e nada. Lá pelas tantas, o homenzinho virou pra mim e gritou: corre, homem de Deus, vai buscar mais bosta de vaca, senão ele morre!
PADRE: E... o sangue estancou?
ZÉ: Na hora. Pois é um santo remédio. Seu vigário sabia? Não sendo de vaca, de cavalo castrado também serve. Mas há quem prefira teia de aranha.
PADRE: Adiante, adiante. Não estou interessado nessa medicina.
ZÉ: Bem, o sangue estancou. Mas Nicolau começou a tremer de febre e no dia seguinte aconteceu uma coisa que nunca tinha acontecido: eu saí de casa e Nicolau ficou. Todo mundo reparou, porque quem quisesse saber onde eu estava, era só procurar Nicolau. Se eu ia à missa, ele ficava esperando na porta da igreja...
PADRE: Na porta? Por que ele não entrava? Não é católico?
ZÉ: Nicolau teve o azar de nascer burro... de quatro patas.
PADRE: Burro?!
ZÉ: Meu burro... sim senhor.
BONITÃO: (Que assistiu a toda a cena, um pouco afastado, solta uma gargalhada grosseira) Ele se estrepou.
Padre Olavo olha-o, surpreso, como se só agora tivesse notada a sua presença, Bonitão pára de rir quase de súbito, desarmado pelo olhar enérgico do padre.
ZÉ: Mas mesmo que soubesse, eu não deixava de fazer a promessa. Porque quando vi que nem as rezas do preto Zeferino davam jeito...
PADRE: Rezas?! Que rezas?!
ZÉ: Preto Zeferino é rezador cura tudo com duas rezas e três rabiscos no chão.
PADRE: Você fez mal, meu filho. Essas rezas são orações do demo.
ZÉ: Do demo, não senhor.
PADRE: Você não soube distinguir o bem do mal. Vive atrás do milagre em vez de viver atrás de Deus. E não sabe se caminha para o céu ou para o inferno.
ZÉ: Mas a oração fala em Deus. (Recita) "Deus fez o Sol. Deus fez a luz, Deus fez toda a claridade do Universo grandioso. Com sua Graça eu te benzo, te curo. Vai-te Sol, da cabeça desta criatura para as ondas do Mar Sagrado, com os santos poderes do Padre do Filho e do Espírito Santo".
SACRISTÃO: Incrível!
PADRE: Meu filho, esse homem era um feiticeiro.
ZÉ: Como feiticeiro, se a reza é pra curar?
PADRE: Não é pra curar, é para tentar. E você caiu em tentação.
ZÉ: Bem, eu só sei que fiquei bom. (Noutro tom) Mas com o Nicolau não houve reza que fizesse  levantar.  Foi então que comadre Miúda me lembrou: por que eu não ia ao candomblé de Maria de Iansan?
PADRE: Candomblé?!
ZÉ: Sim. (Com a consciência de quem cometeu uma falta, mas não muito grave) Não custava tentar. A Mãe-de-santo disse que Iansan tinha ferido Nicolau. Então, pra ela eu devia fazer: uma promessa. Aí me lembrei então que Iansan é Santa Bárbara e prometi que se Nicolau ficasse bom eu carregava uma cruz de madeira de minha roça até a Igreja dela, no dia de sua festa, uma cruz tão pesada como a de Cristo.
PADRE: (Como se anotasse as palavras) Tão pesada como a de Cristo. O senhor prometeu isso a...
ZÉ: A Santa Bárbara.
PADRE: A Iansan!
ZÉ: É a mesma coisa...
PADRE: (Grita) Não é a mesma coisa! (Controla-se) Mas continue.
ZÉ: Prometi também dividir minhas terras com os lavradores pobres, mais pobres que eu.
SACRISTÃO: E Nicolau... quero dizer, o burro, ficou bom?
ZÉ:Sarou em dois tempos. Milagre.
PADRE: (Procurando inicialmente controlar-se) Em primeiro lugar, mesmo admitindo a intervenção de Santa Bárbara, não se trataria de um milagre, mas apenas de uma graça. O burro podia ter-se curado sem intervenção divina.
ZÉ:Como, Padre, se ele sarou de um dia prô outro...
PADRE: (Como se não o ouvisse) E, além disso, Santa Bárbara se tivesse de lhe conceder uma graça, não iria fazê-lo num terreiro de candomblé!
ZÉ: É que na capela do meu povoado não tem uma imagem de Santa Bárbara. Mas no candomblé tem uma imagem de Iansan, que é Santa Bárbara...
PADRE: (Explodindo) Não é Santa Bárbara! Santa Bárbara é uma santa católica! O senhor foi a um ritual fetichista. Invocou uma falsa divindade e foi a ela que prometeu esse sacrifício!
ZÉ: Não, Padre, foi a Santa Bárbara! E é diante do altar de Santa Bárbara que vou cair de joelhos daqui a pouco, pra agradecer o que ela fez por mim!
PADRE: (Dá alguns passos de um lado para outro, de mão no queixo e por fim detém-se diante de Zé-do-Burro, em atitude inquisitorial) Muito bem. E que pretende fazer depois de cumprir a sua promessa?
ZÉ: (Não entendeu a pergunta) Que pretendo? Voltar pra minha roça, em paz com a minha consciência e quite com a santa.
PADRE: Tem certeza? Não vai pretender ser olhado como um novo Cristo?
ZÉ: Eu?!
PADRE: Sim, você que acaba de repetir a Via Crucis, sofrendo o martírio de Jesus. Você que, presunçosamente, pretende imitar o Filho de Deus...
ZÉ: (Humildemente) Padre... eu não quis imitar Jesus...
PADRE:(Corta terrível) Mentira! Eu gravei suas palavras! Você mesmo disse que prometeu carregar uma cruz tão pesada quanto a de Cristo.
ZÉ: Sim, mas isso...
PADRE: Isso prova que você está sendo submetido a uma tentação ainda maior.
ZÉ:Qual, Padre?
PADRE: A de igualar-se ao Filho de Deus.
ZÉ: Não, Padre.
PADRE: Por que então repete a Divina Paixão? Para salvar a humanidade? Não, para salvar um burro!(Gritando)
ZÉ: Padre, Nicolau...
PADRE: É um burro com nome cristão! Um quadrúpede, um irracional! A
Beata sai da igreja e fica assistindo à cena, do alto da escada.
ZÉ: Mas Padre, não foi Deus quem fez também os burros?
PADRE: Mas não à Sua semelhança. E não foi para salvá-los que mandou seu Filho.
ZÉ (Angustiadamente tenta explicar-se) Padre, é preciso explicar que Nicolau não é um burro comum... é um burro com alma de gente...
PADRE: Pois nem que tenha alma de anjo, nesta igreja você não entrará com essa cruz! (Dá as costas e dirige-se à igreja. O sacristão trata logo de segui-lo).
ZÉ: (Em desespero) Mas Padre... eu prometi levar a cruz até o altar-mor! Preciso cumprir a minha promessa!
PADRE: Fizesse-a então numa igreja. Ou em qualquer parte, menos num antro de feitiçaria.
ZÉ: Eu já expliquei...
PADRE: Não se pode servir a dois senhores, a Deus e ao diabo! Um ritual pagão, que começou num terreiro de candomblé, não pode terminar na nave de uma igreja!
ZÉ: Mas Padre, a igreja...
PADRE: A igreja é a casa de Deus. Candomblé é o culto do diabo!
ZÉ: Padre, eu não andei sete léguas para voltar daqui. O senhor não pode impedir a minha entrada. A igreja não é sua, é de Deus!
PADRE: Vai desrespeitar a minha autoridade?
ZÉ: Entre o senhor e Santa Bárbara, eu fico com Santa Bárbara.
PADRE: (Para o Sacristão) Feche a porta. Quem quiser assistir à missa que entre pela porta da sacristia. Lá não dá para passar essa cruz. (Entra na igreja)
A Beata entra também apressadamente atrás do padre. O Sacristão, prontamente, começa a fechar a porta da igreja, enquanto Zé-do-Burro, no meio da praça, nervos tensos, olhos dilatados, numa atitude de incompreensão e revolta, parece disposto a não arredar pé dali. Bonitão, um pouco afastado, observa, tendo nos lábios um sorriso irônico. A porta da igreja se fecha de todo, enquanto um foguetório tremendo saúda Iansan.

Segundo ato
GUARDA - Olá, amigo.
ZÉ – Olá.
GUARDA (Aponta para a cruz) – É para a procissão de Santa Bárbara?
ZÉ – Não.
GUARDA – O que o senhor está fazendo aqui então? Esperando a festa? Ainda é muito cedo e o senhor escolheu um mau lugar pra aguardar, poderia dar licença do local?
ZÉ – Sinto muito seu Guarda, mas não posso sair daqui.
GUARDA (Sua paciência começa a esgotar-se) – Ai, ai, ai, ai, ai...eu estou querendo me entender com o senhor.
ZÉ (Irritando-se um pouco também) – Eu também tô querendo me entender com o senhor, seu guarda, e com todo mundo. O que eu quero é que me deixem colocar esta cruz dentro da Igreja, nada mais. Prometo ir embora depois da promessa cumprida.
GUARDA (Raciocina, pensativo e hesita em falar) – Pois bem, falarei com o padre. Espere ai fora. (Dirige-se à Igreja e bate na porta várias vezes, sem resultado, encosta o rosto na porta e chama) Padre? Abra um instante, por favor!
SACRISTÃO (Abre a porta delicadamente, certificando-se de que não há perigo) – Entre!
Guarda tira o quepe e entra na igreja. Sacristão fecha a porta rapidamente. Rosa desce a ladeira. Vem um pouco apressada, como se temesse não mais encontra Zé ali. Mas quando vê Zé diminui o passo e tranquiliza-se em parte.
ROSA – Você ainda está ai! A igreja ainda não abriu?
ZÉ – Abriu sim mas o padre não quer me deixar entrar.
ROSA – Por que?
ZÉ (Balança a cabeça negativamente, na maior infelicidade) – Não sei Rosa, tô tentando entender até agora, mas não consigo entender nada.
ROSA – Zé, isso tá parecendo castigo!
ZÉ (Desentendido) – Castigo? Castigo por quê? Se Santa Bárbara não tivesse de acordo com tudo isso, não tinha feito o milagre.
ROSA – Zé esqueça Santa Bárbara. Pense em nós. (Sem o olhar diretamente nos olhos de Zé) Vamos embora daqui.
ZÉ – Não posso, tenho que chegar ao fim da promessa. Se não, não ia ter sossego no resto da minha vida.
ROSA – Se o padre não deixa você entrar com a cruz o que você vai fazer?
ZÉ – Eu vou continuar aqui. O Guarda foi falar com o padre, eu tô esperando ele voltar. Você, se quiser, pode ir comer qualquer coisa.
Repórter aparece da direita acompanhado do Fotógrafo.
REPÓRTER – Lá está ele! (Aproxima de Zé enquanto o fotógrafo procura o melhor ângulo para tirar fotos) – Parabéns o senhor é um herói!
ZÉ (Desconfiado) – Herói?
REPÓRTER – Sim, sete léguas carregando esta cruz. Pesada, ein? Sete léguas... 42 quilômetros. A maior marcha que fiz foi de 24 quilômetros, no serviço militar. (Ri silenciosamente). Oh desculpe, sei que o senhor fez uma promessa. A comparação não foi muito feliz. Se me permite, podemos tirar fotos? (Para o fotógrafo) Carijó, tira umas fotos nossas ai. (Posa de frente para Zé do Burro, flashes) - Foi? Beleza, beleza, obrigado.
REPÓRTER (Entusiasmado) – Dentro de algumas horas você ficará famoso! O Brasil todo vai saber.
ZÉ – Mas eu não quero ficar famoso...
ROSA (Interrompe) – Deixa disso Zé, seja mais educado, ele é da Gazeta...
REPÓRTER – Obrigado, mas, Senhor de onde surgiu a ideia da peregrinação?
ROSA – (Intervém) Não nasceu de ideia nenhuma. O burro adoeceu, ia morrer e ele fez promessa pra Santa Bárbara.
REPORTER – Brilhante! O senhor caminhou 42 quilômetros com o peso da cruz por causa de um burro!
ROSA – E não é só isso, ele dividiu o sítio com aquela cambada de preguiçosos.
REPÓRTER – Repartir sítio... diga-me seu Zé, o senhor é a favor da reforma agrária?
ZÉ (Desentendido) – Reforma agrária? Que isso? É de comer...?
REPÓRTER (Ri ironicamente) – Não seu Zé, é o que o senhor acaba de fazer em seu sítio. Distribuição de terras para aqueles que não as possuem.
ZÉ – E não me arrependo, se pudesse, faria de novo.
REPÓRTER (Anota na caderneta) – É a favor da reforma agrária. (Entusiasmado) Obrigado seu Zé do Burro. Meu jornal vai promover tudo, o senhor ganhará primeira página, com fotografias, e em poucas horas o senhor se tornará um novo herói nacional. Quando pretende voltar?
ZÉ – Por mim, já tava na minha terra cuidando do Nicolau.
O guarda está de volta e o Sacristão fecha a porta rapidamente. O guarda vai ao encontro de Zé-do-Burro, que o aguarda esperançoso.
ZÉ – (Para o Guarda) O senhor falou com o padre?
GUARDA- Falei, e de nada adiantou. Ainda por cima recebi um sermão desse tamanho (abre os dois braços demonstrando um sermão bem grande). Ele acha que eu devia levá-lo preso. Mas não o farei.
GUARDA – Não adianta o senhor ficar aqui, o padre não muda de ideia, conheço ele.
REPÓRTER – Ótimo! Eu vou já entrevistar o vigário, antes, (Para o fotógrafo) Carijó tire mais uma foto. (Flashes) Obrigado!
Repórter vai em direção à igreja para entrevistar o padre.
GUARDA –(Falando para si mesmo) Garanto que agora o padre vai abrir a igreja. Não há quem não tenha medo da imprensa. (Olha na direção da direita e sai pela direita).
Entra Zé-do-Burro enquanto Rosa e Bonitão discutem, mas logo disfarçam.
Abre-se a porta da igreja e surgem Repórter, Fotógrafo e Sacristão.
REPÓRTER se dirige à Zé-do-Burro
REPÓRTER – (Para Zé- do-Burro) Nada feito, meu camarada. O padre é uma rocha. Mas ele vai acabar cedendo. Eu o aconselho a resistir. Afinal de contas, é um direito. Eu confio no senhor.
BONITÃO –(Aproxima-se de Rosa) Jornalistas, é?
ROSA – É, tiraram meu retrato.
Neste momento, entra Marli pela direita. Ao ver Bonitão junto a Rosa, avança para eles em atitude agressiva.
MARLI – (Chega gritando) Eu sabia!...Tinha que estar atrás de alguma mulher!
BONITÃO – O que você vem fazer aqui?
MARLI – Venho saber por que você não apareceu em casa esta noite.
BONITÃO – Tava cansado. Fui pro meu hotel...
MARLI – (Mede Rosa de alto a baixo) – Sim, eu estou vendo seu “cansaço”.
BONITÃO (Com firmeza e com voz contida) – Não faça escândalo!
MARLI – (Zomba) Por quê? Está com medo do marido dela? Hahaha.
BONITÃO – Não estou com medo de ninguém, mas não vou deixar você fazer vexame. (Autoritário) – Marli, saia daqui! Eu não tenho nada com ela!
MARLI – Você passou a noite com ela! Cafajeste!
O rosto de Zé-do-Burro se cobre de incertezas, sombras e ele busca nos olhos de Rosa uma explicação.
BONITÃO (Segura Marli por um braço, violentamente) – Vamos para casa! Você conseguiu estragar o dia!
MARLI – Apenas quero que essa vaca saiba que você é meu!
Bonitão arrasta Marli na direção da direita
Há uma pausa, na qual, Zé-do-Burro apenas observa Rosa.
(Secreta entra pela direita e atravessa a cena, lentamente, e senta em um banco da vandola e olha em torno, procurando alguém e consulta o relógio).
ROSA – (Diz constrangida para Zé) Tô com fome Zé...
Zé dá uma nota à Rosa para que ela compre quitutes no tabuleiro da baiana Minha Tia. E Rosa se encaminha ao tabuleiro de Minha Tia.
ROSA – Me vê uns quitutes Minha Tia, por favor. (Entrega dinheiro)
MINHA TIA –(Entrega o quitute e o troco à Rosa)- Aqui está, e diga ao Zé para que ele não desanime, Iansã tem força.
Rosa ri e leva os quitutes para Zé-do-Burro.
 Entra da direita o guarda, com um jornal na mão anunciando a chegada do jornal.
GUARDA – (Anuncia) Vejam! Primeira página com retrato e tudo!
ROSA – Nosso retrato?
GUARDA – Sim.
ZÉ – Afinal, que é que diz ai?
GUARDA – Lerei... (lê) “O novo Messias prega a revolução”.
ZÉ - (Estranha) Revolução? Eu bem achei que aquele camarada não batia bem da cabeça.
GUARDA – (Desconfiado) Acho que o moço não entendeu bem o seu caso. (Dá o Jornal a Zé do Burro) Podem ler.
ROSA –(Para Zé) Zé, não estou gostando nada disso.
Entra Bonitão pela direita e vai diretamente à vendola. Aproxima-se do Secreta. Traz um jornal embaixo do braço.
BONITÃO – (Para SECRETA) Você veio depressa. (Para Galego) Uma dose.
Galego serve.
SECRETA – (Em voz baixa) Que é que você quer falar comigo?
BONITÃO – (Ri ironicamente) Olha aí. (Indica, com o olhar, Zé do Burro) No meu tempo, esse cabra já estava no xilindró.
SECRETA – Quem é ele?
BONITÃO - Tome e leia... (Entrega o jornal) Vocês nem leem jornal e querem estar em dia (balança a cabeça negativamente e dá um suspiro irônico).
SECRETA – Tenho que investigá-lo e depois comunicarei ao Comissário.
BONITÃO – Ahh, qual é? Dá o flagra no homem!
SECRETA – Flagra de quê?
BONITÃO – Agitação social!
SECRETA – Ainda não, venha comigo.
BONITÃO – Ok, mas ele vai lhe contar a história de um burro, mas não caia nessa conversa fiada.
Secreta e Bonitão se dirigem à Zé-do-Burro que recebe Bonitão e Secreta com desconfiança. Bonitão apresenta o Secreta.
BONITÃO – Trouxe um amigo que quer ajudar.
SECRETA – Olá!
ZÉ – (Revoltado e indignado) Ajudar... Todo mundo quer ajudar... (Toma e rasga o jornal que estava na mão de Rosa).
SECRETA – O senhor sabe que suas ideias são muito perigosas? Isso pode lhe dar muita aporrinhação.
ZÉ - Mais do que já tive?
SECRETA – Você corre o risco de ir para o xadrez... O senhor é um revoltado.
ZÉ – (Grita ele) Não era não! (Controla-se) Mas tô ficando. (Convicto) E daqui não saio enquanto não cumprir a promessa.
SECRETA – Como pretende fazer isso?
ZÉ – Eu não sei, mas tem de haver um jeito... A minha vontade é de tacar uma bomba... (Inicia um gesto, como se atirasse uma bomba contra a igreja, mas o braço se imobiliza no ar, deixa o braço cair e ergue os olhos para o céu). Deus que me perdoe. (Gritando, alucinadamente em frente à porta da Igreja) Padre! Padre! Preciso que me ouça!
Abre-se de súbito a porta da igreja e entra o Padre. O Sacristão atrás dele, amedrontado. Grande silêncio.
PADRE – O que pretende com essa gritaria? Desrespeitar a casa de Deus?
ZÉ – Não, Padre, quero dizer que não tenho parte com o Diabo!
PADRE – (Para toda a praça) Estive o dia todo estudando este caso. Consultei livros, textos sagrados. Naquele burro está a explicação de tudo. É Satanás!
ROSA –(Entra no meio da conversa) Não, Padre, não! Ele é um bom homem. Até hoje só fez o bem.
PADRE – Isso não quer dizer nada...
Subitamente, entra Monsenhor na cena. O padre está no auge de sua cólera. Todos dirigem o olhar à Monsenhor.
PADRE – Monsenhor!
Monsenhor avança para a igreja.
MONSENHOR – Já sei. Estou cuidando do seu caso.
Monsenhor entra na igreja, seguido dos seminaristas, do padre e do sacristão. Fecha-se a porta
Depois de certo tempo abre-se a porta da igreja, surgem monsenhor e padre seguidos do sacristão.
MONSENHOR - Venho aqui a pedido de Monsenhor Arcebispo, que está muito preocupado com o vulto que está tomando esse incidente e me pediu para resolver a questão.
ZÉ – (Interrompe) – Monsenhor, eu sou católico!
MONSENHOR – Pois bem. Vamos lhe dar uma oportunidade. Se for católico, renegue todos os atos que praticou por inspiração do Diabo e volte ao seio da Santa Madre Igreja.
ZÉ – (Desentendido) Como?
MONSENHOR – Desista da promessa que fez, reconheça que foi feita ao Demônio, atire fora essa cruz e venha sozinho, pedir perdão a Deus.
ZÉ – (Em dúvida) Acha mesmo que eu deveria fazer isso? Se eu faço isso estou faltando à minha promessa.
MONSENHOR – Decida! Renega ou não renega?
ZÉ – Não! Não posso fazer isso! Não posso arriscar a vida do meu burro!
MONSENHOR – Nada mais posso fazer então. (Atravessa a praça e sai)
PADRE – (Proclama) Que ninguém agora nos acuse de intolerantes.
ZÉ - (Revoltado com a situação, Zé, fora de seu controle pega a cruz, levanta-a nos braços e grita) Padre! Colocarei esta cruz dentro da igreja, custe o que custar!
O padre corre seguido do Sacristão e cerra a porta no momento que Zé sobe os degraus.
Coca chama o resto do pessoal.
COCA –(Grita para todos que estão na praça) Vou chamar o resto do pessoal! (Sai pela direita)
Bonitão se aproxima de Secreta
BONITÃO (Para Secreta) – Que está esperando? Vá logo!
SECRETA (Faz um sinal positivo com a cabeça) – Espere aí... (Sai pela direita)
Rosa aparece perto de Bonitão
ROSA – Polícia! Você?! Você denunciou...?!
BONITÃO – Sim e daqui a pouco, você vai ficar livre desse idiota.
ROSA – (Horroriza-se ante a ideia da traição) Você não devia ter feito isso! Não... Assim, não!
BONITÃO – Agora... está feito.
Rosa se debate em seu conflito entre sua lealdade e sua ânsia de libertação.
Terceiro ato:
Minha Tia:  Óia, o ca-ru-ru! É o caruru de Santa Bárbara, minha gente!
Todos cercam minha tia, que vai instalar seu tabuleiro no local costumeiro. Mestre Coca vai à vendola. Rosa também permanece junto do marido, demonstrando um nervosismo, uma ansiedade crescente.
Dedé: O primeiro Caruru é meu, Minha Tia!
Minha Tia enche um prato e coloca-o de lado, no chão.
Dedé: Pra quem é esse?
Minha Tia: É pra Santa. (Enche outro prato, dá a Dedé) Agora sim, é seu.
Dedé recebe o prato e dirige-se à vendola
Coca: (Tira do bolso uma nota e coloca-a sobre o balcão)  Aposto cem.
Galego: (Coloca uma nota sobre a de Mestre Coca) Casado.
Coca: Fica na mão de quem? (Dedé vem se aproximando)  De Dedé Cospe-Rima.
Dedé: Também quero entrar nessa aposta.
Coca: O Galego diz que o padresco não deixa o homem entrar. Eu digo que vai acabar entrando, hoje mesmo, com cruz e tudo.
Galego: Entra nada. Yo conheço esse padre. Moça com vestido decotado no entra nesta igreja. Yo mismo já vi ele parar lamissa até que uma turista americana, de calças compridas, se retirasse...
Dedé: E eu digo que o homem entra, mas não hoje, amanhã. O padre quer humilhar ele primeiro, mas depois vai ficar com medo dele ir se queixar pra Santa Bárbara e vai abrir a porta.
Galego: Pero ustedes no entenderam La cosa. Ele no fez promessa pra Santa Bárbara. Fez para Iansã, num candomblé.
Coca: E que tem isso?
Galego: Tem que candomblé és candomblé e igreja és igreja.
Coca: E a Santa não é a mesma?
Dedé: Não, o Galego tem razão. A santa pode ser a mesma, mas o Padre tem medo da concorrência e quer defender o seu negócio.
Coca: Mas não adianta. Iansã tem força. O homem entra.
Dedé: Entra, sim. Amanhã ele entra. (Num tom de mistério)  E não se admirem se for eu que fizer ele entrar...
Coca: Então, se ele entrar hoje, ganho eu. Se entrar amanhã, ganha você. Se não entrar, ganha o Galego.
Dedé: Fechado.
Dedé: (Aproxima-se de Zé-do-Burro) Amanhã... amanhã você entra, meu camarada. Lhe garanto. Vou hoje pra casa escrever a história desse padre. Sei umas coisas dele... e se precisar a gente inventa. Amanhã vou chegar aqui com uma tabuleta: “Aguardem! O padre que fechou a casa de Deus”! Vai ver se ele abre ou não abre a porta. Ou abre ou vai ter que me passar uma gaita pra não publicar os versas. (Pisca o olho e sai de cena)
Minha Tia: (Para Rosa) Não quer também, Iaiá?
Rosa: Não.
Minha Tia :Caruru de Santa Bárbara. Antigamente a gente fazia isso e era de graça. Hoje, com a vida do jeito que tá, a gente tem mesmo é que cobrar.
Galego: (Atravessa a praça com um prato de sanduíches na mão e vai a Zé-do-Burro) Pero yo no cobro nada. (Oferece) Oferta da casa.
Zé: Pra mim?
Galego Si, para usted. Cachorro quente. Después trarê um cafezito.
Zé: Não, obrigado. Não tenho fome.
Galego: (Oferece a Rosa) A senhora não quer?...
Rosa: Não estou com vontade.
Galego: (Encolhe os ombros, conformado) Bien... (Volta à venda)
Zé: (Ele observa a intranquilidade indisfarçável de Rosa, que a todo o momento olha assustada para a ladeira ou para a rua, esperando ver surgir a polícia) Que é que você tem?
Rosa: Nada. Queria era ir embora.
Zé: Sozinha?
Rosa: Não, com você.
Zé: (Com intenção) Pensei que estivesse farta de mim.
Rosa: (Nervosamente) Estou farta dessa palhaçada. Estamos aqui igual bobos. Todos estão rindo de nós, Zé! Quem não tá rindo, tá querendo se aproveitar! É uma gente má, que só pensa em fazer mal. (Sacode-o pelos ombros, como para chamá-lo à realidade) Largue a cruz onde está, Zé, e vamos embora pra nossa roça, antes que seja tarde demais!
Zé: Do que você tá com medo?
Rosa: De tudo.
Zé: Não é de você mesma?
Rosa: Também! Mas já não sou eu quem corre perigo, é você.
Zé: Que perigo?
Rosa: Você não vê? A cada minuto que passa, aumenta o perigo. (Olha para todos os lados, preocupada) Esta praça está ficando cada vez menor... como se eles estivessem fechando todas as saídas. (Volta-se para ele, com energia) Vamos embora, Zé, enquanto é tempo!
Zé: (Desconfiado) Que deu em você assim de repente?
Rosa: Não é de repente. Desde que chegamos estou querendo voltar. Você que teimou e quis ficar. Por mim, você tinha largado aí essa cruz e voltado no mesmo pé.
Zé: Você acha que depois de andar sete léguas eu ia voltar sem cumprir a promessa?
Rosa: Você já pagou essa promessa, Zé. Não é sua culpa se há gente sempre disposta a ver demônios em toda parte, até mesmo naquelas que estão do seu lado e que odeiam também o demônio. É gente que vai acabar enxergando na própria sombra, o diabo!
Entreabre-se a porta da igreja e surge na fresta a cabeça do sacristão, que, ao ver Zé-do-Burro, torna a entrar e fechar a porta.
Rosa: Está vendo? O padre mandou ver se você ainda estava aqui; não vai abrir a porta enquanto a gente não for embora. Vamos, Zé!
Zé: (Reage com irritação, procurando combater em si mesmo o desejo de ceder) Não, já disse que não. Só arredo pé daqui depois de levar a cruz lá dentro da igreja.
O secreta entra na direita e atravessa a praça em direção à vendola, observando, dissimuladamente, Zé-do-Burro. Ao vê-lo, Rosa não esconde a sua inquietação. Acompanha-o com um olhar amedrontado até a vendola.
Secreta: (Para o Galego) Uma dose.
Galego serve.
Zé: (Notando a apreensão de Rosa) Que é?
Rosa: Ele não é nosso amigo. Ouvi dizer que é da polícia.
Zé: Não sou criminoso, não fiz mal a ninguém.
Rosa: Por isso mesmo que eu tenho medo, você não sabe fazer mal... mas eles sabem!
Secreta bebe a cachaça de um trago, coloca uma moeda sobre o balcão e volta a atravessar a cena, com ar misterioso, saindo pela rua da direita.
Rosa: Ele só veio ver se a gente ainda estava aqui... vamos aproveitar, antes que ele volte.
Zé: Deixa de bobagem. Não sou menino que quando brinca com fogo mija na cama.
Marli: (Entra da direita, atravessa a cena, lentamente, num andar provocante, se dirigindo à vendola) Viu bonitão?
Galego: Já esteve aqui várias vezes, hoy.
Marli: (Referindo-se a Rosa) Eu sei... e sei também o motivo.
Galego: Festa de Iansã?
Marli: Não é bem Iansã, é outro orixá.
Rosa: (Para Zé-do-Burro) Vou ali, preciso falar com aquela mulher.
(Rosa se dirige até a vendola, e Zé-do-Burro observa, com olhar de profunda desilusão)
Marli: (Hostil, estranhando) Comigo?
Rosa: (Debochando) Não mesmo. Com ele, Bonitão. Onde ele está?
Marli: Sujeita sem vergonha. Dá em cima do meu homem e ainda tem a cara-de-pau de vir aqui me pedir pra dizer onde ele está! Não lhe basta o seu? Precisa do meu pra se contentar?
Rosa: Não preciso do seu homem pra nada. Quero só falar com ele, pra evitar uma desgraça. Eu juro que é assunto sério.
Marli: Você pode enganar o trouxa do meu marido. Mas a mim, não!
Rosa: Tudo bem. Sei que mora em num hotel (Ameaça dar as costas)
Marli: Pois vai atrás dele, pra ver  o que lhe acontece.
Rosa: (Reagindo) Pare com isso que eu não tenho medo de você.
Marli: Nem eu de você.
As duas se olham desafiadoramente a ponto de quase se atacarem. Zé-do-Burro se aproxima.
Zé: Rosa, você perdeu a cabeça? Não sabe qual é seu lugar? Discutindo na rua como uma... (Completa a frase com um gesto de desprezo)
Marli: Com uma o quê, seu beato pamonha? A mulher dando em cima do homem da gente e ele agarrado aí com essa cruz! Isso também faz parte da promessa?
Rosa: Cala sua boca! Não te mete com ele, ele não tem nada com isso!
Marli: (Mede-o de cima a baixo, com mais desprezo ainda) Corno manso! (Dá-lhe as costas, bruscamente, e sobe a ladeira)
Galego solta uma gargalhada, que corta de súbito ante o olhar ameaçador de Zé-do-Burro. Este, num gesto instintivo, ergue uma pequena faca de picar fumo.
Rosa: Zé!
Galego: (Intimidado) Perdon... no se puede dar confiança a essas mujeres...
Zé: (Para Rosa, num tom que revela sua desilusão, sua revolta e sua decisão de não mais deixar-se iludir) Esta noite a gente vai embora.
Rosa: E por que não agora?
Zé: Vamos deixar passar o dia de Santa Bárbara.
Rosa: De noite, talvez seja tarde... (pausa) pra voltar!
Zé: E o que você ainda queria falar com aquele sujeito?
Rosa: Pedir pra ele deixar você em paz.
Zé: A mim?
Rosa: Ele te denunciou à polícia.
Zé: Mas sou um homem de bem, Nunca tive nada com a polícia.
Rosa: Eu sei. Mas eles torcem as coisas. Confundem tudo. (angustiada) Zé! Ouça o que eu digo. A gente devia ganhar a estrada agora mesmo. Neste minuto.
O Repórter entrou pela direita, a tempo de ouvir a última “fala” de Rosa.
Repórter: Que isso? Já estão pensando em ir embora?
Zé (Hostil) Vou embora quando quiser, não tenho que dar conta disso a ninguém (Dá as costas ao Repórter, ostensivamente, e volta para junto da cruz, na escadaria da igreja.)
Repórter: Vocês não estão falando sério, não?... Sim, porque eu espero que vocês cumpram o que prometeram. Meu jornal está cumprindo. Já tomei todas as providências para que sua estada aqui até segunda-feira seja a mais agradável possível.
Rosa: Por favor, vá embora. Nós estamos de partida.
Repórter: De partida? Não, não pode ser... isso seria um desastre pra mim... O jornal já fez as despesas... já compramos foguetes, contratamos uma banda de música para a volta...
Rosa: A volta vai ser hoje mesmo.
Repórter Hoje?! Mas não dá tempo!... Não está nada preparado... O que é que a senhora pensa? Que é assim tão simples organizar uma coisa dessas? É muito fácil pegar uma cruz jogar nas costas e andar sete léguas. Mas um jornal é uma coisa muito complexa. Mobilizar todos os departamentos para dar cobertura... e depois, amanhã é domingo, não tem jornal!
Rosa: (Irritando-se) Que se dane seu jornal! O Zé tem razão, vocês todos querem ajudar, ajudar... ajudam mais é a desgraçar nossa vida.
Repórter: Está precisando de alguma ajuda... particular?
Rosa: Estou. A polícia anda rondando a praça.
Repórter: A polícia?
Rosa: Um secreta. Estão querendo levar ele preso.
Repórter Todo líder precisa ser preso pelo menos uma vez! É a polêmica, minha cara!
Rosa: Líder... eu acho que o senhor é maluco. O senhor, esse padre, a polícia, todos. E eu também, se não me cuidar, vou acabar ficando. (Olha, ansiosamente, para o alto da ladeira)
Rosa, angustiada, volta para junto do marido. Os dois se sentam nos degraus da escadaria, tristes.
Minha Tia: (Para Zé-do-Burro) Não desanime, moço. Hoje é dia de Iansã, mulher de Xangô, orixá dos raios e das tempestades. Mais logo, nos terreiros, ela está descendo no corpo dos seus cavalos. Vai falar com ela, moço, vai pedir a proteção de Iansã, que tudo quanto é porta há de se abrir. (Ouvem-se trovões mais fortes) Óia!... (Aponta para o céu) Iansã está falando! (Abaixa-se, toca o chão com a ponta dos dedos, depois a testa e saúda Iansã) Êparrei, minha mãe!
Neste momento, surge Bonitão na ladeira. Rosa levanta-se, movida por uma mola. Zé-do-Burro, com os olhos pregados na porta da igreja, não o vê. Não vê que os olhares de Rosa e Bonitão se cruzam de um extremo a outro da praça. E que ele, da ladeira, faz para ela um gesto, convidando-a a acompanhá-lo. Rosa hesita, presa de tremendo conflito. Olha para Zé, para Bonitão. Este a espera.Todos os outros presentes percebem o que se passa, e aguardam atentamente. Vendo que ela não se decide, Bonitão dá de ombros, sorri e acena num gesto curto de despedida. Inicia a subida da ladeira, mas para depois de dar dois ou três passos, Rosa como que atraída por um ímã, inicia o movimento para segui-lo, quando Zé volta-se.
Zé: Aonde vai, rosa?
Rosa: (Detém-se) Vou ali, já volto.
Zé: Ali onde?
Rosa: No hotel onde dormi. Lembrei agora que esqueci meu lenço lá. (Avança mais na direção da ladeira)
Zé: Rosa!
Rosa: (Avista bonitão à sua espera) Que é?
Zé: (Num apelo e numa advertência que é quase uma súplica) Deixe esse lenço pra lá!
Rosa: (Hesita ainda um pouco) Não posso, Zé. Eu preciso dele!
Zé: Compro outro pra você!
Rosa: Pra quê, Zé, gastar dinheiro à toa... é daquele que eu gosto! (Sobe a ladeira)
Bonitão passa o braço pela cintura dela e os dois sobem a ladeira.
O sino da igreja começa a tocar as ave-marias. A Beata surge no alto da ladeira, apressada.
Minha Tia: Caruru, Iaiá?
Beata: (Para junto dela) Quê?
Minha Tia: Caruru de Iansã...
Beata: (Como se ouvisse o nome do diabo) Iansã? E que é que eu tenho com dona Iansã? Sou católica apostólica romana. Não acredito em bruxarias!
Minha Tia: Adiscurpe, Iaiá, mas Iansã e Santa Bárbara não é a mesma coisa?
Beata: Não é não senhora! Santa Bárbara é uma santa. E Iansã é... é coisa de candomblé, que Deus me perdoe!... (benze-se repetidas vezes e sai)
Mestre Coca entra correndo
Coca: (A Zé-do-Burro) Meu camarada, trate de ir embora! Estão lhe arrumando uma patota!
Zé: O quê?
Coca: Chegou um carro da Polícia! Eles estão com o Padre, na sacristia.
Minha Tia: Vieram por causa dele?
Coca: Sim!
Zé: Mas eu não roubei, não matei ninguém!
Coca: Ande depressa que nós aguentamos eles aqui até você ganhar o mundo!
Zé: Não, não vou fugir como qualquer criminoso, se estou com minha consciência tranquila.
Coca: A gente esconde a cruz
Minha Tia: E de noite ele leva ela pra Iansã.
Coca: É preciso decidir, meu camarada! Antes que seja tarde.
Zé: (Balança a cabeça, sentindo-se perdido e abandonado) Santa Bárbara me abandonou! Por que, eu não sei... não sei!
Rosa: (Desce a ladeira correndo) Zé! Não adianta... não adianta mais... Falei com ele, mas não adianta. A Polícia já está aí! Vem cercar a praça!
Coca: Eu não disse?
Minha Tia: Some daqui, meu filho!
Rosa: Vamos, Zé!
Zé: Santa Bárbara me abandonou, Rosa!
Rosa: Se ela abandonou você, abandone também a promessa. Quem sabe se não é ela mesma que não quer que você cumpra o prometido?
Zé: Não... mesmo que ela me abandone... eu preciso ir até o fim... ainda que já não seja por ela... que seja só pra ficar em paz comigo mesmo.
Subitamente, abre-se a porta da igreja e entram o Delegado, o Secreta, o Guarda, o Padre e o Sacristão.
Secreta: (Aponta para Zé-do-Burro) É esse aí. (Avança para Zé-do-Burro, seguido do Delegado e do Guarda)
Guarda: (Como que se desculpando) Eu já cansei de pedir a ele pra sair daqui, seu Delegado, não adiantou...
Delegado: (Faz o Guarda calar com um gesto autoritário) Seus documentos.
Zé: (Estranha) Documentos?
Delegado: Carteira de identidade.
Zé: Tenho não, moço. Eu vim pagar uma promessa. A Santa me conhece, não precisava trazer carteira de identidade.
Delegado: (Sorri, irônico) Pagar uma promessa... pensa que nós somos idiotas.
Secreta: Não demora e ele conta a história do burro.
Delegado: Ele vai contar essas histórias todas, mas é na Delegacia. Vamos, acompanhe-me.
Zé: Não posso. Não posso sair daqui.
Delegado: Não pode por quê?
Coca: Promessa, seu Delegado. Ele é crente.
Delegado: O padre disse que ele ameaçou invadir a igreja. Pediu garantias.
Secreta: Eu mesmo ouvi ele dizer que ia jogar uma bomba. Todo mundo aqui é testemunha!
Delegado: Uma bomba, hein... Vamos à Delegacia... quero que o senhor me explique isso tudo direitinho.
Secreta: Vamos. (Segura Zé-do-Burro por um braço, mas este se desvencilha) Que é? Vai reagir?
Guarda: (Apaziguador) Acho melhor o senhor obedecer...
Delegado: Se ele reagir, pior pra ele. Não estou disposto a perder tempo. E conheço de sobra esses tipos. Só se entregam mesmo é na bala.
Rosa: Não!
Zé: Os senhores devem estar enganados. Devem estar me confundindo com outra pessoa. Sou um homem pacato, vim só pagar uma promessa que fiz a Santa Bárbara. (Aponta para o Padre) Aí está o vigário para dizer se é mentira minha!
Padre: É mentira, sim! E não somente mentira, também um sacrilégio! Promessa por inspiração de Satanás! São inúmeros seus disfarces. Mas o objetivo de todos eles continua um só: a destruição da Santa Madre Igreja!
Delegado: Padre, esse homem...
Padre: Esse homem teve todas as oportunidades para arrepender-se. Deus é testemunha de que fiz todo o possível para salvá-lo. Mas ele não quer ser salvo. Pior pra ele.
Delegado: (Que ganhou decisão com o sermão do Padre) Sim, pior pra ele. (Avança um passo na direção de Zé, que recua e fica encurralado contra a parede)
Zé: (Decidido a resistir) Não! Ninguém vai me levar preso! Não fiz nada pra ser preso!
Delegado: Se não fez não tem o que temer, será solto depois. Vamos à Delegacia.
Dedé entra na cena, despercebido.
Rosa: Não vá, Zé!
Zé: Agora eu decidi: só morto me levam daqui. Juro por Santa Bárbara, só morto.
Secreta: (Vê a faca na mão de Zé-do-Burro) Tome cuidado, Chefe, que ele está armado! (Observa Minha Tia, Coca, e Dedé) E essa gente tá do lado dele!
Coca: Estamos mesmo. E aqui vocês não prendem ninguém.
Delegado: Não vamos por quê?
Dedé: Porque não é certo!
Delegado: Estão querendo comprar barulho?
Coca: Vocês que sabem...
Delegado: Não se metam, senão vão se dar mal!
Secreta: E é melhor se afastarem.
Rosa: Zé!
Zé: Me deixe, Rosa! Não venha pra cá!
Zé-do-Burro, de faca em punho, recua em direção à igreja. Sobe um ou dois degraus, de costas. O padre vem por trás e dá uma pancada em seu braço, fazendo com que a faca vá cair no meio da praça. Zé-do-Burro corre e abaixa-se para apanhá-la. Os policiais aproveitam e caem sobre ele, para subjugá-lo. E Dedé e Coca* caem sobre ele para defendê-lo. Zé-do-Burro desapareceu na onda humana. Ouve-se um tiro. A multidão se dispersa como num estouro de boiada. Fica apenas Zé-do-Burro no meio da praça, com as mãos sobre o ventre. Ele dá ainda um passo em direção à igreja e cai morto.
*Pode-se adicionar algum figurante para enriquecer a cena.
Rosa: (Num grito) Zé! (Corre para ele)
Padre: (Num começo de reconhecimento de culpa) Virgem Santíssima!
Delegado: (Para o Secreta) Vamos buscar reforço. (Sai, seguido do Secreta e do Guarda)
O Padre desce os degraus da igreja, em direção do corpo de Zé-do-Burro.
Rosa: (Com rancor) Não chegue perto!
Padre: Queria encomendar a alma dele...
Rosa: Encomendar a quem? Ao demônio??
O padre baixa a cabeça e volta ao alto da escada. Bonitão surge na ladeira. Mestre Coca consulta os companheiros com o olhar. Todos compreendem sua intenção e respondem afirmativamente com a cabeça. Mestre coca inclina-se diante de Zé-do-Burro, segura-o pelos braços e Dedé o ajuda à carregar o corpo. Logo atrás, Galego agarra a cruz e os segue. Bonitão segura Rosa por um braço, tentando levá-la dali. Mas Rosa o repele com um safanão e segue o resto para dentro da igreja. Bonitão dá de ombros e sobe a ladeira. Intimidados, Padre e o Sacristão recuam, a Beata foge loucamente. Só Minha Tia permanece em cena. Quando uma trovoada tremenda desaba sobre a praça.
Minha Tia: (Encolhe-se toda, amedrontada, toca com as pontas dos dedos o chão e a testa) Êparrei minha mãe!
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O David colocou no e-mail a prova da unicamp para auxiliar no  trabalho dos jogos olimpicos.
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O primeiro ato do roteiro atualizado (20/06) já está disponivel,

baixe-o aqui:
http://www.mediafire.com/?e32ty7vz6ursnmr
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